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domingo, 25 de setembro de 2011

Das Vantagens de Ser Bobo - Clarice Lispector

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Intervalo

 

Apenas mais uma história no meio de tantas outras


E se olha no espelho, faz isto há anos. Como é noite, tem que se preparar, maquilagem, perfume, secador de cabelo, está na hora, em breve as colegas chegarão para lhe pegar. E percebe (apenas por um instante que prefere esquecer imediatamente) que a cada visita, torna-se mais envelhecida, vazia. Não, não é mais uma menina. E sabe disso mesmo que não tenha coragem ou possa dizer (fazer isso seria admitir que o tempo passou e que ela continua na mesma situação). E nós sabemos de tudo isso, porque ela não mais escolhe as roupas com antecedência, já não dança na frente daquele espelho, não se imagina vivendo qualquer coisa excitante e feliz. Ela já não escuta aquela música com a mesma emoção de antigamente, cansou de reprisar aqueles sentimentos passados. E todas as canções que agora ouve não representam nada, melhor não se lembrar do que vive. Surge, então, o momento de perplexidade. Aquele que ela prefere evitar. E começa a pentear o cabelo como se pudesse fugir, se esconder. Como uma formiga ao redor do açucareiro, o pensamento persiste, multiplicando-se em outros mil, batalhão de mini-interrogações em ebulição. Por que insiste tanto? Se tem consciência de que não vai dar em nada, se já aprendeu que o amor não é como pensava? Ela tem a resposta, gostaria de gritar, explodir, chorar, mas prefere ficar calada (fazer o contrário seria admitir que o tempo passou e que ela continua na mesma situação). Para rebater isso, teria que se dar a oportunidade de analisar. E analisar seria pensar e conseqüentemente admitir: tenho manchas de vários verões e carnavais, mas continuo só. E por que não aceitar, então? Porque cansou de ser diferente, quer ser igual a todo mundo, quer poder falar sobre filhos, sobre o trabalho do marido, sobre os planos de férias da família. Porque tem medo de morrer sozinha, sem ninguém, sem carinho. Porque cansou de sentir-se deslocada, inferior, incapaz. Porque quer ir ao cinema com alguém, quer sair para jantar com alguém. Porque cansou das piadinhas das tias, quer ser como as primas. Porque Deus lhe deve isso, existem pessoas muito piores que já encontraram o seu par, sua metade. Porque ela fez tudo direitinho, se formou, comprou um carro, um apartamento, apenas para poder dividir. Porque quer um Natal com árvore, Papai Noel, presentes embalados. Porque precisa se doar, se entregar. Porque, se ela deixar de acreditar no amor, é melhor morrer, se jogar na frente de um carro. Ouve a buzina, o interfone, as colegas chegaram, hora de descer.

Renata Belmonte

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

FELICIDADE



Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!


(Fernando Pessoa)